sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Bill Murray

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Nada de agente, empresário, advogado, cabeleireiro ou maquiador. Ao contrário da grande maioria das celebridades, ele viaja com pouca bagagem e sem comitiva. No jato particular? Mais provável é vê-lo comprar a própria passagem e chegar ao set de filmagens sozinho, com sua expressão que sempre parece nada dizer.

Mesmo que seja marcado por sua sinceridade extrema e (mudanças de) humor, grandes comediantes como Jim Carey e Mike Myers não fazem ressalvas: aos 60 anos, Bill Murray é reconhecido como o rei. Seu único arrependimento? “Garfield, talvez”. Mas esse é um deslize que os grandes, como ele, conseguem bancar.


Entrando em campo

Não haviam paparazzi ou câmeras por todos os lados no início de sua vida, mas dificilmente se via sozinho. É o quinto de nove filhos e seguiu a tradição familiar de trabalhar como caddie, o carregador da bolsa com os tacos dos golfistas, atividade que pagava seus estudos em uma escola jesuíta.

"Foi meu primeiro contato com a comédia. Quando você vê homens supostamente maduros quase em lágrimas porque erraram o lance de uma bolinha branca em um buraco, isso te faz rir", ri o ator. Mas o humor e a maneira irônica de ver o mundo datam de bem antes. Se entreter as pessoas virou, em um momento posterior, profissão, desde cedo Murray divertia família e amigos de graça.

Considerava os estudos mera perda de tempo, situação que não melhorou depois da escola. Foi preso por posse de maconha quando estava na Regis College, em Denver. Ele não conta com detalhes o que aconteceu na época, mas diz que simplesmente não conseguia se imaginar fazendo nada em termos de carreira – até se lembrar do quanto todos o achavam engraçado.


Tacada Inicial

03billmurray.jpg 03bill murray picture by deivdMurray se juntou à trupe de comédia Second City, em Chicago. Abrir essa porta permitiu o vislumbre de uma oportunidade ainda maior, que marcaria o início de sua carreira. Ele se juntou a Dan Aykroyd, Gilda Radner e John Belushi na equipe do lendário Saturday Night Live quando o programa estava em sua segunda temporada. “Eu não comecei a aprender até aquele momento”, diz. E começou ali o trabalho que serviria de referência a muitos.

"Bill poderia tentar qualquer coisa – e se sair bem o fazendo. Ele parecia não se importar, mas ele estava muito ligado ao que ele fazia e como o fazia”, disse Aykroyd. Essa aparência impassível e confiança determinariam sua carreira e se misturaria com a personalidade de muitos de seus personagens.

Seus primeiros filmes foram marcados por tentativas e erros. Depois de Almôndegas, em 1979, Clube dos Pilantras, do ano seguinte, e Recrutas da Pesada, de 81, seu rosto fora do padrão do galã de cinema já era conhecido, mas ainda não havia brilhado. Foi com Tootsie, filme de 82 em que interpretava o colega de quarto de Dustin Hoffman, que Murray teve a chance de se colocar na telona e mostrar seu natural timing cômico.

“Eles me diziam ´Apenas reaja´. Então eu inventava falas como ´Esse é um hospital louco´ ou ´Você apenas está com medo de queimar no inferno por tudo isso´. Eles escreviam isso no papel e depois de alguns dias diziam ´Invente algo novo´”, conta o ator.

E ele tende a sempre inventar e improvisar, fato apreciado por muitos diretores, mas que já causou sua porção atritos - não que isso seja o mais importante para ele. "Eu acho que bons atores sempre estão fazendo um trabalho melhor do que o que estava no roteiro inicialmente. É sua obrigação fazer isso. O roteiro diz assim? Bem, veja isto. Vamos ver até onde podemos ir", explica Murray. E seus planos sempre foram ir cada vez mais longe.


Hole in one

O ator já teve sua experiência atrás das câmeras, dirigindo a comédia Não Tenho Troco, de 1990. Mas, apesar de sempre estar envolvido com o humor, ele nunca quis ser conhecido como comediante.

02bill_murray.jpgNo começo de sua carreira ele apostou (e não ganhou) em filmes como Uma Espécie em Extinção e O Fio da Navalha, lançados em 1980 e 1984, respectivamente. “Muito trabalho foi dedicado a esses projetos e ninguém assistiu”, brinca. “Mas se você não tentou nada assim na vida, você não pode dizer que teve uma carreira”, reflete.

Curiosamente, o financiamento para o filme de 84 só foi possível porque Murray aceitou participar de um novo projeto do mesmo estúdio: Os Caça-Fantasmas. “Nós fizemos um, e foi fantástico. Mas ai fizemos mais um”, diz sobre a franquia.

Não é surpresa, então, que ele veja com maus olhos a ideia de participar ainda um terceiro. “O estúdio só quer fazer mais um filme porque se trata de uma franquia. Toda indecisão quanto ao projeto [leia sobre aqui] está se tornando tão irritante que eu poderia escrever o roteiro, matar meu personagem e me livrar logo disto”, disse.

A atitude negativa quanto a um projeto caça-níquel reflete bem uma mudança no perfil dos filmes aos quais o ator se dedica hoje. Se no começo ele era conhecido por escolher papéis expansivos, sarcásticos e às vezes rudes, com a idade, seus personagens também amadureceram - mesmo que mantenham o mesmo olhar irônico.

Ao longo de sua carreira vários de seus personagens possuíam conflitos internos, como em Os Excêntricos Tenenbauns, de 2001, A Vida Marinha com Steve Zissou, de 2004, e até mesmo no mais antigo Três é Demais, de 1998. Mas a mudança mais marcante no perfil de seus personagens veio com Encontros e Desencontros, da diretora Sofia Coppola.


Jogada de mestre

Coppola escreveu o roteiro já tendo em mente trazer Murray para interpretar o personagem principal, Bob Harris, um ator de sucesso que “poderia estar fazendo uma peça”, mas escolhe ir para Tóquio gravar um comercial de uísque que seria bastante generoso ao seu orçamento.

04BillMurray.jpg 04bill murray picture by deivdA diferença cultural, solidão e fuso horário o impedem de dormir. Em uma de suas andanças pelo hotel onde está hospedado conhece Charlotte, vivida por Scarlett Johansson, uma jovem que viaja para o país com o marido fotógrafo mas se vê sempre deixada para atrás com seus pensamentos e dúvidas sobre o que fazer da vida.

“Como um ator, você está sempre longe de casa. Você pode estar preso em um hotel, a quilômetros de casa, em outro fuso horário. Nunca é glamuroso. Você não consegue dormir, você liga a televisão no meio da noite e não entende uma palavra qualquer, você liga para casa e isso também não te dá o conforto que você precisa”, diz.

Em 2003, quando foi lançado o filme, Murray ainda era casado com sua segunda esposa, Jennifer Butler, que raramente viajava com ele. Ficava em casa, em Los Angeles, cuidando dos três filhos jovens. O casal ficou junto até 2008.

“Eu sei o que é ser apenas a voz de um estranho do outro lado da linha”, conta. “Aqueles que vivem juntos e tem garantia de que se verão todas as noites podem não saber do que eu estou falando. É um assunto pouco discutido - a solidão. É um tabu. Ninguém admite ser solitário. Mas eu me senti assim muitas vezes em minha vida”, admite o ator.

Sua performance honesta e tocante no longa lhe rendeu uma indicação ao Oscar mas, mesmo depois de seus mais de 40 filmes no currículo, o ator continua sem um grande prêmio em vista. Comédia, mesmo bem feita, dificilmente consegue quebrar as barreiras tradicionais que envolvem as premiações. O que não é uma novidade para ele, ou até mesmo para colegas talentosos como Steve Martin e Jim Carrey. “Até Charlie Chaplin sabia disso”, brinca Murray. “A risada e os momentos mais leves da vida parecem mais simples de serem criados na tela”, completa.

Sempre perguntado sobre a frase que seu personagem sussurra no ouvido de Scarlett Johansson ao final de Encontros e Desencontros, sua resposta é simples: "vocês nunca saberão". Talvez nunca saibamos também exatamente o que faz de Bill Murray um ator tão fantástico e que faz parecer tão natural a gargalhada ou sorriso sutil e pessoal que faz surgir em cada um que o vê na tela. Mas, como no filme, essa magia não pode ser colocada em palavras.

Cena em que Bill Murray espera a amiga sair do exame que ela está fazendo no hospital, enquanto isso ele bate um papo com uma japa que também esta esperando algo ou alguem, o interessante é que nenhum fala a língua do outro:



Por Jessica Soares, Cinema em Cena

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